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Trimestral | Nº 02 - 2016
Divulgação Científica

Pedro R. Almeida | Investigador Coordenador
Reabilitação do rio Mondego para os peixes migradores: das palavras aos atos

Reabilitação do rio Mondego para os peixes migradores: das palavras aos atos
Entrega do prémio por Denis Ruttenberg (Chair for the Joint Committee of Fisheries Engineering and Science, a joint committee of ASCE-EWRI and AFS-BES) ao coordenador do projeto Pedro Raposo de Almeida

Historicamente, o rio Mondego representa um importante reduto para os peixes diádromos, que migram entre o mar e o rio para se reproduzir e alimentar. A lampreia-marinha, o sável, a savelha e a enguia-europeia são espécies de elevado interesse socioeconómico e conservacionista, e notáveis iguarias gastronómicas que geram elevadas receitas para as comunidades locais. No entanto, a abundância e distribuição destas espécies em Portugal, e em particular no rio Mondego, tem diminuído nas últimas décadas. Um dos principais fatores que tem contribuído decisivamente para esta tendência é a fragmentação do habitat, promovida pela construção de obstáculos à movimentação dos peixes, de que o Açude-Ponte de Coimbra, construído em 1981 no rio Mondego, é um bom exemplo.

Ao longo dos últimos 20 anos, vários esforços têm sido desenvolvidos para minimizar o impacto da fragmentação de habitat na comunidade piscícola desta bacia hidrográfica. A construção de uma passagem para peixes no Açude-Ponte de Coimbra em 2011, um projeto coordenado em termos científicos pela equipa da Universidade de Évora liderada pelo Professor Pedro Raposo de Almeida, representou o primeiro grande passo para a reabilitação do rio Mondego para as espécies migradoras. Os trabalhos de restauro da conectividade fluvial desta bacia continuaram com um conjunto de novas intervenções de forma a promover a livre circulação das espécies piscícolas no troço reabilitado.

Estas intervenções decorreram no âmbito do projeto “Reabilitação dos Habitats de Peixes Diádromos na Bacia Hidrográfica do Mondego”, desenvolvido entre 2013 e 2015 com um orçamento de cerca de 1.3 M€, financiado pelo Ministério da Agricultura e do Mar e cofinanciado pelo Fundo Europeu das Pescas, através do PROMAR – Programa Operacional Pesca 2007-2013, e pela EDP-Energias de Portugal, S.A. Este projeto foi coordenado pela Universidade de Évora, com o apoio técnico-científico do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, e contou com 11 parceiros institucionais, designadamente, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a Energias de Portugal (EDP), a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o Fluviário de Mora (FM), a Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FFCUL), os municípios de Coimbra, Vila Nova de Poiares e Penacova, e a Confraria da Lampreia.

A principal ação deste projeto foi a construção de cinco passagens para peixes naturalizadas em açudes de menor dimensão existentes no rio Mondego, mas ainda assim considerados de difícil transposição para os peixes. Para além das intervenções nestes açudes, foi instalada uma passagem para enguias no Açude-Ponte de Coimbra, acompanhada pelo repovoamento experimental de meixão (i.e., juvenis de enguia) em troços a montante na bacia hidrográfica. A avaliação da eficiência destas intervenções tem sido feita com recurso a várias técnicas de amostragem como a biotelemetria, a pesca elétrica, inquéritos à comunidade piscatória e contagens visuais (a partir de gravações recolhidas na passagem do Açude-Ponte de Coimbra) do número de peixes que utiliza o dispositivo de transposição.

O fio condutor que orientou o projeto preconizava a compatibilização dos vários usos associados ao rio Mondego. Com esse intento, para além das passagens para peixes, foram construídas rampas para a circulação de canoas (umas das importantes atividades económicas instaladas no rio Mondego) através dos obstáculos intervencionados, promovendo desta forma a livre circulação de peixes e pessoas embarcadas. Com este projeto pretendeu-se ainda fomentar a exploração sustentável de espécies com elevado interesse socioeconómico, com especial enfoque na lampreia-marinha, no sável e na savelha. Alavancou-se uma abordagem de gestão horizontal da pesca assente no diálogo entre a administração que gere estes recursos, os pescadores e suas associações, e as universidades e centros de investigação. Foram também desenvolvidas uma série de atividades de divulgação e sensibilização junto do público com vista a alertar para a importância de proteger os nossos rios e as espécies que incluem estes sistemas no seu ciclo de vida, apresentando o trabalho de reabilitação desenvolvido no rio Mondego.

Como reconhecimento do mérito e excecionais resultados obtidos com o projeto, este foi recentemente galardoado com o prémio internacional Distinguished Project in Fisheries Engineering and Ecohydrology , atribuído em conjunto pela American Society of Civil Engineers (Environmental & Water Resource Institute) , e pela American Fisheries Society (Bioengineering Section) . A cerimónia de entrega do prémio teve lugar durante o congresso Fish Passage 2016, que decorreu entre os dias 20 e 22 de junho, na Universidade de Massachusetts. Este prémio reconhece projetos de excelência internacional que incluam abordagens multidisciplinares a esta problemática e que fomentem a colaboração, inovação e educação com o objetivo de promover a livre movimentação das espécies piscícolas migradoras.

Links sugeridos: http://www.rhpdm.uevora.pt/ , http://www.rhpdm.uevora.pt/premios_pt.html