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Trimestral | Nº 01 - 2016
Divulgação Científica

Gabinete de comunicação do CIBIO-UE
As rimas da História: Como afectaram as alterações climáticas do passado a biodiversidade

As rimas da História: Como afectaram as alterações climáticas do passado a biodiversidade
Do azul ao vermelho, intensidade dos efeitos das alterações climáticas do período Quaternário sobre as extinções de megafauna terrestre a nível global. FONTE: Nogués-Bravo, D., Ohlemueller, R., Batra, P., & Araújo, M. B. (2010). Climate predictors of late quaternary extinctions. Evolution, 64(8): 2442–2449.

Um dos problemas associados à investigação sobre os efeitos futuros das alterações climáticas nos sistemas vivos é a dificuldade que existe em validar as projeções futuras visto tratarem-se de eventos que... ainda não ocorreram. Uma alternativa é olhar para trás e perguntar se e como terão as alterações climáticas do passado afectado os sistemas vivos. Como dizia Mark Twain “A História não se repete mas rima ”. Um dos objectivos da biogeografia e da investigação realizada pelo CIBIO-UE é compreender as rimas do tempo.

A Extinção de Mamíferos no Período Quaternário

Num trabalho inovador, publicado na revista Evolution , com a participação de Miguel Araújo e do seu investigador pós-doutoral David Nogués-Bravo1 , os autores investigaram o papel das alterações climáticas na extinção de mamíferos durante o Quaternário. As causas das numerosas extinções que ocorreram nesse período têm sido amplamente debatidas, já que este foi um tempo de intensas alterações climáticas mas também de expansão da espécie humana. É, portanto, difícil discernir for foi a expansão dos humanos ou as alterações naturais do clima que causaram as extinções.

A hipótese de que as extinções foram provocadas pelas alterações climáticas propõe que a redução das áreas climaticamente adequadas para as espécies terá provocado uma redução das suas áreas de distribuição, tornando-as mais vulneráveis à extinção. De acordo com o estudo realizado com participação do CIBIO, esta hipótese é apoiada pela coincidência temporal entre alterações climáticas e picos de extinção, sobretudo na Eurásia e na América do Norte. A primeira onda de extinções, que ocorreu durante uma época de intenso arrefecimento climático entre os 45 mil e 21 mil anos atrás, afectou espécies que estavam adaptadas a ambientes quentes, como alguns elefantes, hipopótamos e ursos-de-cara-achatada. Durante a segunda fase de extinções, entre 21 mil e 3 mil anos atrás, com o clima a aquecer novamente, desapareceram espécies adaptadas ao frio como os mamutes e os veados gigantes.

À exceção da América do Sul, os continentes que sofreram alterações climáticas mais profundas durante esse período foram as que tiveram maior proporção de mamíferos extintos, o que apoia a tese de que as alterações climáticas poderão ter estado associadas a estas extinções. Tanto na intensidade das alterações climáticas como no na magnitude das extinções, a América do Norte foi a mais afetada, seguida da Eurásia e de África. No entanto, a América do Sul foi o continente com menores alterações climáticas mas com o maior número de extinções.

A noção de que as alterações climáticas terão sido as principais responsáveis pelas extinções do Quaternário é apoiada ainda pelo facto de se terem extinguido grandes mamíferos no Alasca, onde a presença humana nunca foi intensa mas as alterações climáticas sim. Em África, houve as extinções foram menos significativas, tanto a intensidade tanto das alterações climáticas como da pressão humana foram menores. Com efeito, este é o continente onde a espécie humana se originou e permaneceu antes de colonizar outros continentes. É possível que este facto tenha permitido uma co-evolução entre humanos e suas presas o que poderia ter mitigado os efeitos da atividade humana nas extinções.

Os resultados do estudo publicado na prestigiosa revista Evolution  apoiam a hipótese de que as alterações climáticas desempenharam um papel importante nas extinções do Quaternário. Esta conclusão deve, no entanto, ser encarada com precaução dado o pequeno número de continentes analisado (quatro) e o resultado inconsistente da América do Sul. No entanto, os autores chamam também a atenção para o facto de as extinções não resultarem necessariamente de uma única causa. Diferentes factores podem provocar de forma sinérgica uma diminuição da abundância das espécies, tornando-as mais vulneráveis à extinção.

Na realidade, é improvável que as flutuações climáticas do princípio do Quaternário não tenham sido  suficientes para causar extinções massivas entre os mamíferos; a maior parte das extinções ocorreu no final deste período, coincidindo tanto com alterações climáticas como com a expansão dos seres humanos modernos. Os autores do trabalho sugerem que as extinções foram resultaram da combinação destes dois factores.

 

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Figura 1.  Do azul ao vermelho, intensidade dos efeitos das alterações climáticas do período Quaternário sobre as extinções de megafauna terrestre a nível global. FONTE: Nogués-Bravo, D., Ohlemueller, R., Batra, P., & Araújo, M. B. (2010). Climate predictors of late quaternary extinctions. Evolution, 64(8): 2442–2449.

 

Distribuição de Peixes de Água Doce da Península Ibérica: factores históricos versus factores contemporâneos

A contribuição de factores históricos e contemporâneos na estruturação das comunidades biológicas também tem provocado acesos debates. É relativamente consensual que ambos factores desempenham papéis importantes mas é difícil distinguir e quantificar os seus efeitos. Num trabalho publicado na revista Journal of Biogeography , com a participação de Miguel Araújo e da sua estudante de doutoramento Ana Filipa Filipe2 , os autores procurar quantificar a contribuição relativa do clima atual e da distribuição de bacias hidrográficas nas comunidades de peixes de água doce da Península Ibérica.

Uma premissa comum é que as espécies que vivem nas mesmas regiões geográficas são condicionadas por factores ambientais semelhantes. Mas em que medida a partilha destas regiões geográficas se deve a condições ambientais atuais ou constrangimentos históricos? As barreiras à dispersão, por exemplo, condicionam os padrões de distribuição de espécies. Para as espécies terrestres e marinhas, o clima atual é frequentemente considerado o principal determinante das suas distribuições e variações na distribuição geográfica do clima podem constituir-se em barreiras. É o caso dos desertos que exercem de eficaz barreira para a dispersão de aves. No caso das espécies de água doce os limites definidos pelas bacias hidrográficas são geralmente considerados mais importantes.

No estudo publicado na revista Journal of Biogeography , postula-se que que a formação de bacias hidrográfica durante o Plioceno e Pleistoceno há 2.5–1.8 milhões de anos, poderia estar na origem da diversificação de peixes que vivem nos rios Ibérico. Para testar este postulado, dividiram-se as espécies em três grupos: espécies de água doce primárias, completamente intolerantes à água salgada e que portanto teriam extrema dificuldade em colonizar uma bacia hidrográfica diferente daquela onde vivem; espécies de água doce secundárias, parcialmente tolerantes ao sal e que poderiam ocasionalmente aceder à costa e colonizar bacias hidrográficas próximas; e espécies periféricas, que migram regularmente entre o mar e os rios.

Os autores demonstraram que as comunidades ibéricas de peixes de água doce são mais condicionadas pela história geológica do que pelo clima atual, já que os limites físicos das bacias hidrográficas discriminam as comunidades biológicas melhor que as diferenças climáticas entre bacias. Este efeito estruturante das bacias é especialmente notório nas espécies com dependência primária e secundária de água doce; as espécies periféricas demonstraram ter, como era esperado, menor fidelidade à região biogeográfica onde habitam.

Naturalmente o facto da as barreiras geográficas naturais entre bacias explicarem grande pate das diferenças entre comunidades de peixes na Península Ibérica, não significa que outros factores não tenham efeitos determinantes a escalas locais ou regionais. A crescente homogeneização das comunidades de peixes provocada pelas introduções de peixes e transvases entre rios pode fazer com que, no futuro, os factores ambientais se sobreponham aos factores históricos na estruturação destas comunidades. Por outro lado, a pulverização de barreiras artificiais, como a construção de barragens, tem como efeito a excessiva fragmentação de populações que poderá conduzir a extinção progressiva de muitas das espécies endémicas à escala de bacias hidrográficas.

 

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Figura 2. Províncias biogeográficas definidas pela composição das comunidades de peixes da Península Ibérica. FONTE: Filipe, A. F., Araújo, M. B., Doadrio, I., Angermeier, P. L., & Collares-Pereira, M. J. (2009). Biogeography of Iberian freshwater fishes revisited: the roles of historical versus contemporary constraints. Journal of Biogeography, 36(11): 2096–2110.

 

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1 Nogués-Bravo, D., Ohlemueller, R., Batra, P., & Araújo, M. B. (2010). Climate predictors of late quaternary extinctions. Evolution , 64(8): 2442–2449.

2 Filipe, A. F., Araújo, M. B., Doadrio, I., Angermeier, P. L., & Collares-Pereira, M. J. (2009). Biogeography of Iberian freshwater fishes revisited: the roles of historical versus contemporary constraints. Journal of Biogeography , 36(11): 2096–2110.