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Trimestral | Nº 01 - 2016
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Entrevista a Mário Carvalho e Nuno Marques, galardoados com prémio europeu na área da agricultura

Nuno Marques, responsável pela empresa Portalimpex, licenciado em Engenharia Agrícola pela UÉ e Mário Carvalho, docente da UÉ e investigador do ICAAM - Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas, foram galardoados com o Land and Soil Management Award, prémio atribuído a nível europeu ao projeto mais inovador no desenvolvimento da intensificação sustentável da agricultura, pela European Landwoner´s Organisation (ELO).

Para o investigador, “este prémio é o reconhecimento do trabalho conjunto da Universidade de Évora e dos empresários agrícolas com quem trabalhamos”, onde o trabalho em rede com um conjunto de empresas têm permitido desenvolver e difundir estes sistemas. Para Nuno Marques, “colocar os melhores investigadores e docentes em contacto com a economia real” é a fórmula certa para o progresso de Portugal.

Universidade de Évora (UÉ) - Em que consiste o projeto que motivou o prémio e que benefícios daí poderão ser retirados?

Mário de Carvalho (MC) - O prémio é atribuído a projectos empresariais e não a projectos de investigação. A Universidade de Évora, através do ICAAM, tem vindo desde há muitos anos a trabalhar com um grupo de empresários no desenvolvimento de sistemas de agricultura de conservação, como base de uma intensificação sustentável da agricultura, ou seja, a capacidade de produzirmos mais gastando menos conseguindo dessa forma um aumento da sustentabilidade económica e ambiental dos nossos sistema agrícolas. O projecto que se candidatou foi o da empresa Portalimpex do Eng.º Nuno Marques, que do grupo de agricultores envolvido é o mais antigo e o que tem o sistema mais evoluído. O Eng.º Nuno Marques designou a candidatura “Creating new land and soil management opportunities under Mediterranean soil and climatic limitations”, que acho um título brilhante pois traduz a essência do projecto. A agricultura portuguesa precisa urgentemente de aumentar a produtividade da terra e simultaneamente a eficiência no uso de factores de produção, com especial relevância para a água e os fertilizantes. Para isso colocamos o solo no centro das nossas preocupações de forma a aumentarmos o seu teor em matéria orgânica e a sua drenagem. A estratégia agronómica assenta em cinco vectores: 1) a sementeira directa, como forma de reduzir a erosão do solo e a taxa de mineralização da matéria orgânica; 2) a devolução dos resíduos orgânicos ao solo, como os resíduos das culturas e estrumes produzidos na exploração, como forma de enriquecer o solo; 3) a rotação de culturas como forma de aumentar a biodiversidade do sistema reduzindo-se assim a incorporação de pesticidas e, ainda, de permitir a melhoria da drenagem do solo: são as próprias culturas utilizadas na rotação que têm feito o trabalho de forma gratuita; 4) a utilização da água de rega em culturas de sementeira no Outono/Inverno que, necessitando de menos rega permitem um grande aumento da produtividade da água. Como consequência a empresa evoluiu de uma área regada de 80 ha em 1989, quando a principal cultura regada era o milho, para ter actualmente 220 ha regados em forragens e cereais de Outono/Inverno; 5) aumento da produtividade das pastagens de sequeiro através a adubação e pastoreio correcto.

Esta estratégia agronómica, associada a uma estratégia empresarial, permitiu melhorar a fertilidade do solo e a sua drenagem, com reflexos na produtividade da terra, num aumento de mais de sete vezes na produção pecuária e, simultaneamente, aumentar em cerca de três vezes a produtividade da água e a utilização de adubos é cerca de 30% da inicial.

A candidatura foi a premiada por o painel de avaliação ter considerado que os métodos utilizados foram os mais inovadores e os resultados obtidos os mais surpreendentes.

 

(UÉ) - A Universidade de Évora, tanto ao nível da Investigação como do Ensino, tem dado relevantes contributos para o desenvolvimento agrícola da região e do país. Sente que este prémio, atribuído por uma organização internacional é um pouco o reconhecimento deste trabalho?

(MC) - Este prémio é o reconhecimento do trabalho conjunto da Universidade de Évora e dos empresários agrícolas com quem trabalhamos e, no caso concreto, do Eng.º Nuno Marques. Mas a reacção de todo o grupo é muito recompensante, pois todos sentiram como fazendo parte da candidatura e compartilharam a alegria do reconhecimento. Mas não deixa de ser irónico que este empenho da Universidade de Évora no desenvolvimento de sistemas agrícolas sustentáveis na região tenha até agora sido reconhecido por três vezes e todas elas por organizações fora do país. Foi o caso do prémio atribuído pela Associação Burgalesa de Agricultura de Conservação na cidade de Lerma em 2007, o prémio “Dryland Champions Programme 2014” da Convenção de Combate à Desertificação das nações Unidas (UNCCD) e, agora este prémio.

 

(UÉ) - Nas últimas décadas o panorama agrícola nacional tem sofrido inúmeras alterações, seja por via de questões políticas, demográficas ou de desenvolvimento tecnológico, entre outras. Crê que estamos no bom caminho a este nível? Como perspectiva o futuro da agricultura na região?

(MC) - O panorama da agricultura portuguesa é negro e os resultados são bem visíveis. No seu global e segundo um estudo recente do Prof. Carlos Marques, o valor acrescentado bruto e o líquido da agricultura portuguesa são, em 2013, 72 e 54% do que se verificava em 1980, sendo o rendimento dos agricultores cada vez mais suportado pelas ajudas comunitárias. No Alentejo fala-se muito das oportunidades do regadio do Alqueva, mas esquecemo-nos que a água deste empreendimento é muito cara, pelo que a produtividade da água é um aspecto crucial, e que o regadio representa apenas 7% da superfície agrícola da região. Existe uma necessidade urgente do desenvolvimento de sistemas de intensificação sustentável para os diversos sectores da nossa agricultura, mas neste momento as condições para esta mudança não existem. Por um lado, o financiamento vindo através da Política Agrícola não incentiva os agricultores na busca de soluções e, por outro lado, o acesso ao conhecimento necessário para estas transformações é muito limitado. É quase impossível desenvolver trabalho de investigação aplicada que dê resposta, pois esta tem de ser multidisciplinar e de longo prazo, mas os mecanismos de financiamento privilegiam projectos de curto prazo e com montantes de financiamento incompatíveis com a dimensão da tarefa. Também o sistema de avaliação de desempenho das Unidades de Investigação, que tem como componente fundamental os artigos científicos publicados em revistas internacionais, afasta os investigadores deste tipo de tarefas. Alem disto, não existem mecanismos de transferência de conhecimento para os empresários. O trabalho desenvolvido pela Universidade de Évora é meritório mas manifestamente escasso, não contando com financiamento publico a não ser o meu trabalho junto dos agricultores, uma vez que o meu salario é pago pela Universidade. A divulgação de conhecimento em agricultura tem de ser feito caso a caso, pois as condições de cada exploração têm de ser incorporadas nas soluções a adoptar, o que obriga a ter equipas alargadas e bem preparadas, o que não existe de todo.  

 

Universidade de Évora (UÉ) - Que importância tem este prémio para si e para a Portalimpex?

Nuno Marques (NM) - Começo por contar como nasceu esta candidatura. Em Setembro de 2015 recebi um e-mail do Professor Mário Carvalho com a aplicação da candidatura ao “Land and Soil Management Award” em anexo, e comentando que eu me deveria candidatar para ganhar. Após análise dos regulamentos do prémio percebi que poderia ter como parceiro do projecto o Professor. Liguei-lhe e disse-lhe que a candidatura só faria sentido se ele fosse parceiro do projecto. Em Outubro de 2015 submetemos a candidatura e em Março 2016 recebemos a notícia de termos o melhor projecto europeu.

O projecto foi gratificante porque reflecte a forma como gerimos o solo nos dias de hoje com o conhecimento que ambos desenvolvemos, no meu caso nos últimos quase 30 anos, no caso do Professor mais alguns.

O nome do projecto reflecte isso mesmo “Creating new land and soil management opportunities under Mediterranean soil and climatic limitations” (Criando novas oportunidades de gestão do solo debaixo das limitações dos solos e do clima Mediterrânico).

Achámos que deveríamos procurar reconhecimento para o trabalho que temos em conjunto com mais alguns agricultores com sistemas de Agricultura de Conservação, esse reconhecimento foi-nos dado a nível europeu.

Ficámos muito satisfeitos que o nosso projecto tenha sido o melhor, ainda mais tendo em conta que 2015 foi o Ano Internacional dos Solos.

A Portalimpex é uma empresa familiar fundada pelo meu Pai e mais 2 sócios, que vai entrar a 7/11/2016 no seu cinquentenário, tal como eu. Tem sofrido várias mudanças ao longo da sua história e actuado em diversas áreas desde o trading de cereais à agro-indústria. Onde tem actuado sempre foi obtendo reconhecimento e criado valor. Desde 2010 dedica-se exclusivamente à agro-pecuária. Penso que é uma forma bonita de comemorar 50 anos de existência.

 

(UÉ) - Referiu em entrevista que este percurso começou ainda como estudante da UE e aluno do Professor Mário Carvalho. Como tem sido a ligação à Universidade de Évora ao longo dos anos e que tipo de colaboração, têm sido desenvolvidas?

(NM) - Em 1987 fui aluno do Professor e manifestei-lhe interesse na Agricultura de Conservação. Em 1989 fiz o trabalho final da licenciatura tendo-o como orientador em Sistemas de mobilização na cultura do milho. Em 1990 iniciámos ensaios de larga escala. Na altura os semeadores existentes eram pouco fiáveis e houve um compasso em mobilização mínima até que aparecessem semeadores fiáveis. Em 2000 retomámos com uma reconversão total para Agricultura de Conservação em 2003. E continuaremos enquanto tivermos vontade e força para este trabalho tão gratificante.

Para além da colaboração que o Professor nos tem prestado desenvolvemos uma grande Amizade. O conhecimento do Professor, o seu empenho e profissionalismo são notáveis.

A Universidade de Évora tem no corpo docente, um dos mais notáveis agrónomos do nosso País.

 

(UÉ) - Da sua perspectiva e experiência profissional, qual deverá ser o papel de uma universidade, e em concreto da Universidade de Évora, em relação ao Agronegócio?

(NM) - Na nossa opinião a Universidade de Évora devia ter um departamento de extensão liderado pelo Professor Mário Carvalho. Reconhecidamente é o investigador com mais prestígio na área da gestão dos solos, quer em Portugal quer a nível internacional, quer juntos dos empresários agrícolas. Uma melhor gestão dos solos pode significar sustentabilidade económica, social e ambiental.

As vantagens que se poderão obter por uma melhor gestão dos solos poderão significar alguns milhares de milhões de euros para abater ao défice que permanentemente assombra a vida de todos nós. Em suma o papel da Universidade deverá ser esse mesmo. Colocar os melhores investigadores e docentes em contacto com a economia real para em parceria contribuírem para o progresso de Portugal.

Mas não pode ser só em teoria ou retórica terá que acontecer inevitavelmente sob pena de Portugal não conseguir erguer-se. Temos investigadores muito bons mas infelizmente sem meios para trabalhar.

Definitivamente o agronegócio deve ser pensado a médio e longo prazo, e isso infelizmente não é entendido e não satisfaz a ambição de muitos.

 

A cerimónia de entrega do prémio terá lugar em Bruxelas no próximo dia 22 de março, no âmbito do 9th Forum for the Future of Agriculture.

 

 

Publicado em 18.03.2016
Fonte: GabCom | UÉ